O reggae não está em seu melhor momento mundialmente falando, e no Brasil a coisa está ainda mais delicada. Num país onde até "créu" vira sucesso, não nos admira que os empresários ignorem a qualidade, seja técnico-musical ou ideológica, e dêem importância somente ao dinheiro, que querendo ou não é o que move o "show business". Por esse motivo surge a pergunta: de quem é a culpa? Dos "magnatas"? das gravadoras? do "sistema"? Quando se trata de reggae, sempre surgem os que acham que a culpa é toda do "sistema", ou "babilônia" como geralmente o denominam, se esquecendo que todos, querendo ou não, estão inseridos nela, e de uma forma ou outra estão relacionados com grande parte ou totalidade dos acontecimentos.
Antes que alguém comece a levantar as foices, vamos elucidar a questão. Quem rege o mercado somos nós, amantes do reggae, que precisamos exigir qualidade nos produtos que nos são oferecidos. Há algum tempo é notório que ser "regueiro" se tornou algo tentador na cabeça fraca de muitos jovens. Não sabemos se pelo estilo, pela ideologia (que a maioria não conhece ou não entende) ou mais provavelmente pela Ganja, ou maconha como foi batizada no Brasil. A relação que se criou do reggae com a ganja por aqui é quase que totalmente deturpada, fugindo da sua verdadeira ideologia. Apesar desse assunto ser extremamente importante, a idéia deste texto é outra.
A DEFICIÊNCIA Após acompanhar shows internacionais de reggae no Brasil a aproximadamente dez anos, tendo inclusive trabalhado diretamente nas turnês de grandes nomes como Israel Vibration e Alpha Blondy, temos percebido uma queda assustadora no público alvo dessas apresentações. A realidade é que nos últimos 3 anos, quando temos apenas nomes consagrados se apresentando numa noite, o risco é cada vez maior para os produtores. Ao mesmo tempo, vemos acontecer verdadeiras maratonas onde uma atração internacional de peso divide o palco com 5 ou mais bandas locais, que após se apresentarem levam embora grande parte do público.
Mas por que isso tem acontecido? Por onde anda o público que há 10 anos atrás lotava um show onde na mesma noite tínhamos Black Uhuru, The Wailers, Andrew Tosh e Dennis Brown? Será que se um show desse acontecesse hoje no Brasil teria a mesma repercussão? Apostamos com qualquer um que não! Acreditamos que isso se dá por uma soma de diversos fatores que vai desde a inexistência de um selo nacional que lance os grandes nomes do Reggae (como acontecia há 10 anos atrás), até a onda de mediocridade pela qual o Brasil tem passado, onde se dá mais valor à uma música que fala de "bunda" do que a outra que fala da verdade.
A POLÊMICA DO "MORNO"
No último dia 7 de março de 2008, o Steel Pulse fez um show longe de sua real capacidade, e uma matéria aqui mesmo no Surforeggae que descreveu essa apresentação como "morna", deu o que falar (ler matéria). Sabemos que algumas pessoas quando gostam muito de algo têm o senso crítico prejudicado, mas é preocupante saber que para alguns, por "X" ou "Y" se tratarem de lendas, os mesmos podem fazer qualquer coisa que será sempre bom. Já que é assim, imagina se o Steel Pulse ou qualquer banda consagrada mudasse o seu estilo e fizesse músicas que só falam de sexo, drogas e ofensas?
Apesar de não ser comum, alguns dos monstros sagrados do Reggae já passaram por isso, num momento em que perceberam que as pessoas estavam dando mais valor a músicas que falavam de "vagina" (vide os dancehalls proibidos similares aos funks cariocas) do que canções de protesto e amor entre as pessoas. Mas a pergunta que não quer calar é: Por que será que a mesma banda que levou 5 mil pessoas ao seu show a 3 anos atrás dessa vez levou apenas 1.400? Será que foi somente a divulgação?
Boa parte do público tem se contentado com qualquer coisa e aceitado tudo o que a mídia tem empurrado goela abaixo. Isso faz com que os grandes nomes tenham que competir com outras bandas, que muitas vezes não tem qualidade alguma, mas se mantém na mídia. Por esse motivo, hoje em dia as casas de show "menores porém estruturadas" (os famosos "Halls"), estão recebendo mais bandas de reggae internacionais do que antigamente, e isso se deve a preocupação de empresários do setor em conseguir lotar os estabelecimentos. Para bancar o artista estrangeiro em um lugar pequeno não tem jeito: o ingresso termina ficando mais caro. E vocês acham que os "regueiros originais" é que lotam estes lugares? Não mesmo!
PÚBLICO-GERAL: A VERDADE E A IMPORTÂNCIA O público é dividido entre os amantes do reggae, pessoas que gostam de reggae e muitos que estão ali somente porque alguém disse que ia ser bacana, então foi pra conferir e se divertir. Esse nicho que curte vários estilos e tem uma situação financeira estável, é que é o foco da divulgação, porque o amante de reggae não precisa ser avisado pela grande mídia que o The Congos, por exemplo, está vindo pro Brasil, ele já iria saber através do site oficial, através de outros amantes do reggae, enfim, o sucesso do evento é por causa do que chamamos de "público-geral".
Esse "público-geral" é muito mais numeroso que qualquer amante de reggae ou de qualquer estilo, ele quer somente pegar uma carona na diversão do público fiel regueiro, punk, etc. No techno, por exemplo, quantos numa rave realmente gostam do ritmo, sacam as viradas, conhecem os djs, vestem o estilo? Boa parte está alí para "conferir as gatas", consumir drogas, etc, etc... bem parecido com nosso cenário reggae, não? Você que é amante do ritmo de jah ou das famosas "techneras" não vê isso? Não se incomoda em ver jovens estirados no chão cercados de vômito em plena apresentação principal ou ainda moleques que fumam ganja até ficarem praticamente incomunicáveis gritando: "JAH RASTAFARI"?
Então aí é que fica evidenciado o problema, esse público geral tem se afastado cada vez mais do Reggae, pois o mesmo atualmente está restrito apenas à mídia especializada. É preciso maior investimento por parte das pessoas que fazem o ritmo no Brasil? Sim! Mas também é preciso mais incentivo por parte dos que o admiram! É preciso que as pessoas compareçam mais aos shows, divulguem no boca-a-boca e até comprem os CDs quando os mesmos estiverem com preços justos. Baixar tudo pela internet não faz de ninguém colecionador ou grande contribuidor, pois os músicos e os produtores, assim como qualquer outra função precisam de dinheiro pra sobreviver.
É triste, essa coisa de mistura... não tem como fugir, mas nem tudo é terror. Temos um público diferente, com senso crítico, que quer se divertir e gastar seu dinheiro, mas somente em coisas boas, e mesmo com essas características, ainda faz parte do "público-geral". Imagine um grupo de pessoas deste público mais seleto, que todos sabem que frequentam shows de reggae, começando a perceber fatos que citamos no show do Steel Pulse, tais como guitarrista usando "papel de cola" para não esquecer as notas das músicas? Eles simplesmente começam a riscar o reggae de sua lista de interesse. O resultado é essa queda brusca que vêm cada vez mais desestimulando o mercado reggae no país.
SEU APOIO É SUA PRESENÇA
Quer a prova de que SÓ amantes do "reggae original" não enchem show algum? Temos vários, dentre eles podemos citar o Festival Internacional de São Paulo no Via Funchal em 2001. Após tocarem Tribo de Jah, Maskavo e Planta & Raíz, bandas de renome na mídia, grande parte do público deixou o local, sendo que ainda se apresentariam nomes lendários como Sylvia Tella, Fully Fullwood e U-Roy. Cadê aquele amor todo? Ou será que o público não compareceu ao evento pelas manjadas desculpas do "ah... o lugar é longe", "tá caro", "não vou porque odeio bandas populares e eles vão tocar também"? Claro que não!
A mídia move muitas pessoas, principalmente num país como o nosso, onde o acesso à educação é tão complicado. É por essas e outras que os regueiros do Brasil precisam rezar e muito para um dia verem por aqui bandas clássicas como Mighty Diamonds, Max Romeo, Twinkle Brothers, The Congos, Wailing Souls, etc. Se não valorizarmos a cena reggae por aqui, bandas sem qualidade vão continuar surgindo, eventos cada vez mais cansativos vão continuar acontecendo e as grandes lendas e seus produtores não verão motivos palpáveis para manter ou incluir o Brasil em sua rota de apresentações.
Fonte: Rangel Surforeggae e Rafael Surforeggae
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