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11/05/2002
Hoje, dia onze de maio de 2002, completa-se mais um ano sem Bob Marley!
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O ano de 1945 foi um grande ano. Foi em 45 que, depois de nove anos de uma guerra que matou milhões de pessoas em todo o mundo, finalmente a paz voltou a reinar na Terra. Em todos os cantos do planeta as pessoas se abraçaram e puderam comemorar o final do mais triste episódio da história da humanidade. Milhares de filhos voltaram para suas casas, famílias se reencontraram e a construção de um novo tempo começou.
Entretanto, em 1945 houve outro grande acontecimento, que só alguns moradores da pequena vila de Nine Mile, interior rural da Freguesia de St. Ann (Santa Ana), no norte da Jamaica, comemoraram. Foi no dia 6 de fevereiro desse ano que lá nasceu o menino Robert Nesta Marley, filho de Cedella Booker, uma garota negra de apenas dezoito anos, e do Capitão Norval Marley, do Regimento Britânico das Índias Ocidentais, um inglês branco de 50 anos de idade que, devido a pressões de sua família na Inglaterra, apesar de ajudar financeiramente pouco conheceu o filho. Mas para entender melhor a história desse menino é preciso voltar um pouco mais no tempo.
Apesar da escravidão ter sido abolida na Jamaica em 1834, aqueles dias de sofrimento ainda estão na memória dos descendentes de africanos e, misturados com os costumes ingleses, fazem parte da cultura da ilha. Já no começo do século passado a herança africana começava a ter expressão política com Marcus Garvey, um pastor jamaicano que fundou a Associação Universal para o Desenvolvimento do Negro. A organização defendia a criação de um país negro, livre da dominação branca, na África, que recebesse de volta todos os descendentes de africanos exilados na América. Foi inclusive com esse intuito que Garvey chegou a fundar uma companhia de navegação a vapor, a Black Star Line. Mas Marcus Garvey é lembrado na Jamaica também por outro motivo.
O pastor, nas suas pregações, costumava repetir uma profecia que logo se espalhou entre a população negra. Ele dizia que logo na África surgiria um Rei negro, o 225º descendente da linhagem de Menelik, o filho do rei Salomão e da rainha de Sabá, que libertaria a raça negra do domínio branco. Anos depois esse rei apareceu. Em 1930 Ras Tafari Makonnen foi coroado Imperador da Etiópia e passou a se chamar Hailè Selassiè. No mesmo momento, os seguidores de Garvey na Jamaica passaram a acreditar que a profecia houvesse sido cumprida e começaram uma nova religião chamada Rastafari.
Anos mais tarde, essa religião seria espalhada pelo mundo através da música de um menino chamado Bob Marley. Por volta da década de 50, a capital Kingston era a terra dos sonhos dos habitantes das zonas rurais da Jamaica. Apesar da cidade não ter muito trabalho a oferecer, multidões se dirigiam para lá para fatalmente engrossarem a população das favelas que já cresciam no seu lado oeste. A maior e mais miserável dessas favelas era Trench Town (ou Cidade do Esgoto), assim chamada por ter sido construída sobre as valas que drenavam os dejetos da parte antiga de Kingston. E foi para lá que Dona Cedella se mudou junto com seu filho no final dos anos 50. O menino cresceu nesse ambiente junto com outros meninos de rua e, em especial, seu amigo Neville O’Riley Livingston, mais conhecido como Bunny, com quem começou a tocar latas e guitarras improvisadas em casa.
O som que os dois garotos faziam era influenciado pelas emissoras do sul dos Estados Unidos que conseguiam captar nos seus rádios e que tocavam músicas de artistas como Ray Charles, Curtis Mayfield, Brook Benton e Fats Domino, além de grupos vocais como The Drifters que tinham muita popularidade na Jamaica. Nessa época, Bob conseguiu um emprego numa funilaria, mas já tinha a música como grande objetivo de sua vida. A busca desse objetivo ganhou dedicação exclusiva quando uma fagulha da solda com que trabalhava queimou seu olho. O acidente não teve gravidade mas o fez largar o emprego e investir unicamente no aperfeiçoamento da sua música com Bunny. Eles eram ajudados por Joe Higgs, um cantor que apesar de já possuir uma certa fama na ilha ainda morava em Trench Town e dava aulas de canto para iniciantes.
Numa dessas aulas Bob e Bunny conheceram outro jovem músico chamado Peter Tosh. Em 1962 Bob Marley foi escutado por um empresário musical chamado Leslie Kong que, impressionado, o levou a um estúdio para gravar algumas músicas. A primeira delas “Judge Not” logo foi lançada pelo selo Beverley’s. No ano seguinte Bob decidiu que o melhor caminho para alcançar o sucesso era em um grupo, chamando para isso Bunny e Peter para formar os "Wailing Wailers". O novo grupo ganhou a simpatia do percussionista rastafari Alvin Patterson, que os apresentou ao produtor Clement Dodd. Na metade de 1963 Dodd ouviu os Wailing Wailers e resolveu investir no grupo.
O ritmo da moda na Jamaica então era o Ska que, com uma batida marcada e dançante, misturava elementos africanos com o rhythm & blues de New Orleans e que tinha Clement “Sir Coxsone” Dodd como um dos seus mais famosos divulgadores. Os Wailing Wailers lançaram o seu primeiro single, “Simmer Down”, pela gravadora Coxsone no fim de 1963 e em janeiro a música já era a mais tocada na Jamaica, permanecendo nessa posição durante dois meses. O grupo então era formado por Bob, Bunny, Peter, Junior Braithwaite e dois backing vocals, Beverly Kelso e Cherry Smith.
Nessa época chegou pelo correio a passagem que Dona Cedella, que tinha se casado novamente e mudado para Delaware nos Estados Unidos, conseguiu comprar após muito esforço para juntar dinheiro. Ela desejava dar a Bob uma nova vida na América, mas antes da viagem ele conheceu Rita Anderson e em 10 de fevereiro de 1966 eles se casaram. Marley passou apenas oito meses com a mãe antes de retornar à Jamaica, onde começou um período que teve importância especial no resto de sua vida. Bob chegou em Kingston em outubro de 66, apenas seis meses depois da visita da Sua Majestade Imperial, o Imperador Hailè Selassiè, da Etiópia, que trouxe nova força ao movimento Rastafari na ilha.
O envolvimento de Marley com a crença Rastafari também estava crescendo e, a partir de 67, sua música começou a refletir isso. Os hinos dos Rude Boys deram lugar a uma crescente dedicação às canções espirituais e sociais que se tornaram a pedra fundamental do seu real legado. Bob, então, convidou Peter e Bunny para novamente formarem um grupo, dessa vez chamado “The Wailers”. Rita também começava sua carreira como cantora com um grande sucesso chamado “Pied Piper”, um cover de uma canção pop inglesa. A música jamaicana, entretanto, havia mudado. A frenética batida do Ska estava dando lugar a um ritmo mais lento e sensual chamado Rock Steady. A nova crença Rastafari dos Wailers os colocou em conflito com Coxsone Dodd e, determinados a controlar seu próprio destino, os fez criar um novo selo, o Wail’N’Soul. Mas, apesar de alguns sucessos, os negócios dos Wailers não melhoraram muito e o selo faliu no fim de 1967.
O grupo sobreviveu, entretanto, inicialmente como compositores de uma companhia associada ao cantor americano Johnny Nash que, na década seguinte, teria um grande sucesso com “Stir It Up”, de Bob. Os Wailers então conheceram um homem que revolucionaria o seu trabalho: Lee Perry, cujo gênio produtivo havia transformado as técnicas de gravação em estúdio em arte. A associação Perry / Wailers resultou em algumas das melhores gravações da banda. Músicas como “Soul Rebel”, “Duppy Conqueror”, “400 Years” e “Small Axe” se não foram clássicos definiram a direção futura do reggae. Em 1970, Aston ’Family Man’ Barrett e seu irmão Carlton (baixo e bateria, respectivamente) se uniram aos Wailers. Eles eram o núcleo da banda de estúdio de Perry e haviam participado de várias gravações do grupo. Os irmãos eram conhecidos como a melhor seção rítmica da Jamaica, status que continuariam ostentando pela década seguinte.
Os Wailers eram então reconhecidos como grande sucesso no Caribe, mas internacionalmente continuavam desconhecidos. No verão de 1971 Bob aceitou o convite de Johnny Nash para acompanhá-lo à Suécia, ocasião em que assinou contrato com a CBS, que também era a gravadora do americano. Na primavera de 72 todos os Wailers já estavam na Inglaterra, promovendo ostensivamente o single “Reggae on Broadway”, mas sem alcançar bom resultado. Como última tentativa Bob entrou nos estúdios da Island Records, que havia sido a primeira a dar atenção ao crescimento da música jamaicana, e pediu para falar com o seu fundador, Chris Blackwell.
Blackwell conhecia a fama dos Wailers e o grupo estava fazendo uma proposta irrecusável. Eles estavam adiantando 4 mil libras para gravar um álbum e para que, pela primeira vez, uma banda de reggae tivesse acesso as mais avançadas técnicas de gravação e fosse tratada como eram as bandas de rock da época. Antes dessa proposta as gravadoras achavam que um grupo de reggae só vendia em singles ou compilações com várias bandas. O primeiro álbum dos Wailers, “Catch A Fire” quebrou todas as regras: era lindamente embalado e fortemente promovido. Era o começo de um longo caminho à fama e ao reconhecimento internacional. Embora “Catch A Fire” não tenha sido um hit instantâneo, o álbum teve um grande impacto na mídia.
O ritmo marcante de Marley, aliado às suas letras militantes vinham com total contraste ao que estava sendo feito então. Além disso, a Island promoveu uma turnê do grupo na Inglaterra e nos Estados Unidos, o que era uma completa novidade para uma banda de reggae. Os Wailers chegaram em Londres em abril de 73, embarcando numa série de apresentações que mostraria sua qualidade como banda de shows ao vivo. Entretanto, após três meses, o grupo voltou à Jamaica e Bunny, desencantado com a vida na estrada, se recusou a tocar na turnê americana. No seu lugar entrou Joe Higgs, o velho professor de canto dos Wailers. A turnê americana incluía, além de algumas casas de show, a participação em alguns shows de Bruce Springsteen e Sly & The Family Stone, a principal banda de música negra americana do momento.
Mas depois de quatro shows ficou claro que colocar os Wailers abrindo espetáculos poderia ser ruim para as atrações principais. A banda foi então para San Francisco, onde a rádio KSAN transmitiu uma apresentação ao vivo que só foi publicada em 1991, quando a Island lançou o álbum comemorativo “Talkin’ Blues”. Em 73 o grupo também lançou o seu segundo álbum pela Island, “Burnin’”, um LP que incluía novas versões de algumas das suas mais velhas músicas, como: “Duppy Conqueror”, “Small Axe” e “Put It On”, junto com faixas como “Get Up, Stand Up” e “I Shot The Sheriff” (que no ano seguinte se tornaria um enorme sucesso mundial na voz de Eric Clapton, alcançando o primeiro lugar na lista dos singles mais vendidos nos Estados Unidos).
Em 74 Marley passou uma grande parte do seu tempo no estúdio trabalhando nas sessões que resultaram em “Natty Dread”, um álbum que incluía músicas como “Talkin’ Blues”, “No Woman No Cry”, “So Jah Seh”, “Revolution”, “Them Belly Full (But We Hungry)” e “Rebel Music (3 o’clock Roadblock)”. No início do próximo ano, entretanto, Bunny e Peter deixariam definitivamente o grupo para embarcar em carreiras solo enquanto a banda começava a ser conhecida por Bob Marley & The Wailers. “Natty Dread” foi lançado em fevereiro de 75 e logo a banda estava novamente na estrada. A composição harmônica perdida com a saída de Bunny e Peter havia sido substituída pelas I-Threes, um trio feminino composto pela esposa de Bob, Rita, além de Marcia Griffiths e Judy Mowatt.
Entre os concertos, os mais importantes foram as duas apresentações no Lyceum Ballroom de Londres que até hoje são lembradas entre as melhores da década. Os shows foram gravados e logo o disco, junto com o single “No Woman, No Cry”, estava nas paradas de sucesso. Em novembro, quando Marley voltou a Jamaica para tocar num show beneficiente com Stevie Wonder ele já era obviamente o maior superstar da ilha. “Rastaman Vibrations”, o álbum seguinte, lançado em 76, atingiu o topo das paradas americanas e é considerado por muitos a mais clara exposição da música e das crenças de Bob. O LP incluía músicas como “Crazy Baldhead”, “Johnny Was”, “Who The Cap Fit” e, talvez a mais significativa de todas, “War”, cuja letra foi extraída de um discurso do Imperador Hailè Selassiè, nas Nações Unidas.
Com o sucesso internacional cresceu a importância política de Bob Marley na Jamaica, onde a fé Rastafari expressa por sua música alcançava forte ressonância na juventude dos guetos. Como forma de agradecimento ao povo da ilha, Bob decidiu dar um concerto aberto no Parque dos Heróis Nacionais de Kingston, em 5 de dezembro de 1976. A idéia era enfatizar a necessidade de paz nas ruas da cidade, onde as brigas de gangues estavam causando confusão e mortes. Logo depois do anúncio do show, o governo convocou eleições para o dia 20 de dezembro. Isso deu nova força à guerra no gueto e, na tarde do concerto atiradores invadiram a casa de Bob e o alvejaram. Na confusão os atiradores apenas feriram Marley, que foi levado a salvo às montanhas na cercania da cidade.
Entretanto ele resolveu fazer o show de qualquer maneira e subiu ao palco para uma rápida apresentação em desafio aos seus agressores. Foi a última apresentação de Bob na Jamaica por oito meses. Logo após o show ele deixou o país para viver em Londres, onde gravou seu próximo álbum, “Exodus”. Lançado no verão daquele ano, “Exodus” consolidou o status internacional da banda, ficando nas paradas da Inglaterra por 56 semanas seguidas e tendo seus três singles - “Waiting In Vain”, “Exodus” e “Jamming’” - com grandes vendagens.
Em 78 a banda capitalizou novo sucesso com “Kaya”, que alcançou o quarto lugar na Inglaterra logo na semana seguinte do lançamento. O álbum mostrava um novo ângulo de Marley, com uma coleção de canções de amor e, claro, homenagens ao poder da “Ganja”. Do álbum foram extraídos dois singles: “Satisfy My Soul” e “Is This Love”. Ainda em 78 aconteceriam mais três eventos com extraordinária importância para Marley. Em abril ele voltou à Jamaica para o “One Love Peace Concert”, quando fez com que o Primeiro-Ministro Michael Manley e o líder da oposição Edward Seaga se dessem as mãos no palco.
Ele foi então convidado para ir à sede das Nações Unidas, em New York, para receber a Medalha da Paz. E, no fim do ano, Bob visitou a África pela primeira vez, indo inicialmente ao Kenya e depois à Etiópia, o lar espiritual Rastafari. A banda havia recém terminado uma turnê pela Europa e América que rendeu o segundo álbum ao vivo: “Babylon By Bus”. “Survival”, o nono álbum de Bob Marley pela Island foi lançado no verão de 1979. Ele incluía “Zimbabwe”, um hino para a Rodésia, que logo seria libertada, junto com “So Much Trouble In The World”, “Ambush In The Night” e “Africa Unite”. Como indica a capa, que contém as bandeiras das nações independentes, “Survival” foi um álbum em homenagem à solidariedade Pan-Africana.
Em abril de 1980, o grupo foi convidado oficialmente pelo governo do recém libertado Zimbabwe para tocar na cerimônia de independência da nova nação. Essa foi a maior honra oferecida à banda e demonstrou claramente a sua importância no Terceiro Mundo. O próximo disco da banda, “Uprising”, foi lançado em maio de 80 e teve sucesso imediato com “Could You Be Loved”. O álbum também trazia “Coming In From The Cold”, “Work” e a extraordinária faixa de encerramento, “Redemption Song”. Os Wailers então embarcaram na sua maior turnê européia, quebrando recordes de público pelo continente. A agenda incluía um show para 100 mil pessoas em Milão, o maior da história da banda. Bob Marley & The Wailers eram a maior banda na estrada naquele ano e “Uprising” estava em todas as paradas da Europa. Era um período de máximo otimismo e estavam sendo feitos planos de uma turnê na América em companhia de Stevie Wonder no final do ano.
No fim da turnê européia Marley e a banda foram para os Estados Unidos. Bob fez dois shows no Madison Square Garden, mas logo após caiu seriamente doente. Três anos antes, em Londres, ele havia ferido o dedo do pé jogando futebol. O ferimento se tornou canceroso e, apesar de ter sido tratado em Miami, continuou a progredir. Em 1980, o câncer, em sua forma mais virulenta, começou a se espalhar pelo corpo de Bob. Ele controlou a doença por oito meses, fazendo tratamento na clínica do Dr. Joseph Issels, na Bavária. O tratamento de Issels era controvertido por só usar remédios naturais e não tóxicos e, por algum tempo, pareceu estabilizar a condição de Bob. Entretanto, repentinamente a luta começou a ficar mais difícil. No começo de maio ele deixou a Alemanha para voltar à Jamaica, mas não completou a viagem.
Bob Marley morreu num hospital de Miami na segunda-feira, 11 de maio de 1981. No mês anterior, Marley havia sido agraciado com a Ordem do Mérito da Jamaica, a terceira maior honra da nação, em reconhecimento à sua inestimável contribuição à cultura do país. Na quinta-feira, 21 de maio de 1981, o Honorável Robert Nesta Marley O. M. recebeu um funeral oficial do povo da Jamaica. Após o funeral - assistido tanto pelo Primeiro-Ministro como pelo líder da oposição - o corpo de Marley foi levado à sua terra natal, Nine Mile, no norte da ilha, onde agora descansa em um mausoléu. Bob Marley morreu aos 36 anos, mas a sua lenda permanece viva até hoje.
Fonte: Massive Reggae
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O Santuário da Família
Solano Jacob
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