Se você não tem nenhuma familiaridade com esses dois universos, o título aí de cima pode parecer completamente sem nexo. Ledo engano. A insatisfação com o sistema vigente e o desejo de mudar o mundo eram sentimentos comuns a dreadlocks e moicanos. Tava todo mundo no mesmo barco.
Muito antes do roots reggae dominar o mundo, graças, principalmente, ao filme e disco "The Harder They Come", e os primeiros discos dos Wailers, já havia uma forte ligação entre a molecada branca, moradora de cidades e bairros pobres industriais, e a música jamaicana. A explicação para isso é muito simples. Brancos e negros, pelo menos ali, eram vizinhos, e para os ’mods’, ouvir rocksteady e reggae era tão fashion quanto desfilar pelas cidades com aquelas Vespas envenenadas.
(A cena punk da época)
Apesar da explosão rasta e de discos como Natty Dread (Bob Marley), Legalize It (Peter Tosh), CB200 (Dillinger), Natty Cultural Dread (Big Youth) e Two Sevens Clash (Culture), o reggae só chegou ao mainstream por causa dos punks. Don Letts, responsável pelo bar e som do club Roxy, na falta de mais discos de punk (só haviam umas 10 bandas na época), passou a tocar seus compactos prediletos de reggae - quando falo reggae aqui, falo do seu lado mais selvagem, o toasting e o dub.
Não demorou muito para os punks mandarem ele esquecer o punk-rock e só tocar reggae! Em 76, o líder dos Sex Pistols, Johnny Rotten, foi convidado a apresentar seu Top 10 na rádio inglesa Capitol. No meio daquela barulheira toda, num honroso 3º lugar, estava "Born For a Purpose", do doidão Dr. Alimantado.
(A galera do The Clash e do Steel Pulse)
No dia seguinte, as principais cidades inglesas amanheceram pichadas com o nome do doutor. Nesse mesmo ano, aconteceram revoltas violentas de civis durante o Carnaval de Nothing Hill, o mais famoso Carnaval de rua da Inglaterra, e como não poderia deixar de ser, "War inna Babylon", de Max Romeo e "Police And Thives", de Junior Murvin, ambas produções de Lee Perry, foram a trilha sonora perfeita para os riots. Daí para o The Clash (que fez cover de "Police And Thieves") adotar o Mikey Dread e a cantora Pattie Smith, o Tappa Zukie, foi um pulo.
Lojas vendendo reggae pipocavam por todos lados, turnês de bandas punks tinham bandas reggae fazendo abertura. Sob o slogan "Black and White Unite", foi lançado o Rock Against Racism, festival itinerante que tinha em seu cast, artistas como Elvis Costello e Aswad. Foi uma festa.
Johnny Rotten simbolizava tanto essa união, que quando foi fundado o selo Frontline, da Virgin, ele e o chefão da gravadora foram a Jamaica assinar contrato com Johnny Clarke, The Mighty Diamonds, The Gladiators, Twinkle Brothers, Big Youth e o mais popular entre os punks, Prince Far I. Um super time que fez do Frontline o melhor selo de reggae fora da Jamaica. No comecinho dos anos 80, o movimento Two -Tone, um híbrido de ska e reggae com punk, e bandas "brancas", como o The Police e UB-40, diminuíram o sucesso do roots and culture, que passou, pelo menos para o mainstream, a ficar desinteressante.
(The Clash e sua versão de "Police and Thieves")
Para ouvir bem a fusão reggae/punk, recomendo a coletânea "Wild Dub: Dread Meets Punk Rocker" e o "Sandinista!", do The Clash, para mim a banda que melhor soube acrescentar elementos da música jamaicana. Não é a toa que quando saiu do Clash, o cantor Mick Jones fundou o Big Audio Dynamite com o Don Letts. Mais tarde, o Bad se transformaria no Dreadzone, que junto com o Zion Train está na vanguarda do dub eletrônico.
Outro exemplo bacana, está no supra citado Johnny Rotten. Os Sex Pistols não duraram muito e Johnny acabou fundando o PIL, Public Image Ltd., com o baixista Jah Wooble, atual líder da fusão dub/world music junto com Bill Laswell, também saído da cena punk. Resumindo, se existe alguém fazendo reggae, especialmente dub, na Inglaterra dos tempos atuais, é quase certo que já tenha usado um corte moicano.
Fonte: Chico Linhares (dub.blogger.com.br)
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